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O Editor-Chefe Dr. Izzat El-Gammal escreve sobre o milagre do Presidente José Maria Neves em Cabo Verde e a sua sábia liderança na tomada de decisões internas e externas


José Maria Neves, presidente da República de Cabo Verde, é um político maduro, hábil e de raciocínio rápido. Dá combate e articula bem as palavras, atributos que o tornam respeitado dentro e fora do país. Individualmente nunca perdeu um embate político. Mas como ascendeu na política? O que ele pensa do país e da sua política externa na aldeia global? Eis o perfil do Chefe de Estado cabo-verdiano.

Ponto prévio: para se compreender a mente de José Maria Neves e da sua relação com país é preciso antes perceber como Cabo Verde se fundou como nação. Descoberto pelos portugueses em 1460, o arquipélago cabo-verdiano conseguiu a sua independência de Portugal colonial 500 anos depois, isto é em 1975, com forte ajuda dos países socialistas de então como a Ex-União Soviética, Cuba e a Argélia.


A ideologia socialista era então “estrela, luz e guia”, definida na primeira Constituição da República. José Maria Neves, nascido a 28 de Março de 1961, entra na vida política activa em 1977, dois anos depois do nascimento do Cabo Verde independente, governado em regime de partido único. Nessa altura, com a “Guerra Fria” num futuro próximo a dividir o planeta em dois blocos – capitalista e socialista – Cabo Verde, apesar do forte pendor à esquerda optou pelo não-alinhamento, para não perigar as relações com os países num estado-bebé totalmente dependente da ajuda externa para sobreviver.
É nesse contexto internacional que se dá a estreia de José Maria Neves, ainda jovem, na carreira política, pelas mãos da JAACV, a juventude do PAICV, o partido que governou sozinho o país durante 15 anos em regime de partido único. A convicção ideológica socialista do actual presidente de Cabo Verde era bem vincada, a ponto de lhe ser atribuído cargos de direcçáo dos jovens do PAICV, os futuros líderes de Cabo Verde.
Fez a educação primária em Santa Catarina e os estudos secundários no Liceu Domingos Ramos, na Cidade da Praia, e de seguida viajou para o Brasil tendo integrado a Escola de Administração de Empresas em São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, onde, em 1986, completou a licenciatura em Administração Pública.
De regresso ao País, trabalhou como técnico superior na Direcção-geral de Estudos e Reforma Administrativa, da Secretaria de Estado da Administração Pública, em que coordenou vários projectos e desempenhou cargos públicos.
Em 1996 foi eleito deputado, tendo desempenhado as funções de presidente da Comissão de Administração Pública, Poder Local e Desenvolvimento Regional e de vice-presidente da Mesa da Assembleia Nacional.
Em 2000 foi eleito presidente da Câmara Municipal de Santa Catarina e, no mesmo ano, foi eleito presidente do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV).
A 14 de Janeiro de 2001 venceu as eleições legislativas e foi indigitado para o cargo de primeiro-ministro, função que exerceu até Abril de 2016.
Depois de deixar a chefia do Governo, José Maria Neves, que é quadro da Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), passou a dedicar-se à docência, e, em 2018, criou a Fundação José Maria Neves.
Doutorando em Administração Pública, José Maria Neves, que se auto-define como um democrata, que respeita as diferenças, uma pessoa tolerante que dialoga, que, sobretudo, quer “construir entendimentos e consensos” em relação aos desafios. Postura, diga-se, mais moderada do que dos anos anteriores quando defendia o socialismo-marxista com os olhos fechados.
Entende-se este virar de página. Na verdade, JMN começou a mostrar alguma aproximação ao centro depois de ganhar as eleições autárquicas em Santa Catarina em 2000 e no ano seguinte quando ganhou as eleições legislativas, após ousar desafiar o histórico líder do PAICV, Pedro Pires nas eleições internas no PAICV. Antes crítico da política capitalista do partido rival, o MpD, sobretudo a nível das privatizações, Neves acaba, entretanto, por assumir uma postura muito mais liberal o governo antecessor. É que enquanto o MpD vendeu inúmeras empresas do Estado a grupos privados portugueses mas mantendo o ‘golden share’ de 1% que permitia ao Executivo continuar a ditar regras nessas companhias, através dos administradores que nomeava, José Maria Neves, com uma política bem anti-esquerda que era sua origem opta por se desfazer dessas acções de ouro, entregando empresas controladas pelo Estado totalmente aos privados.
Arrependeu-se de algumas dessas decisões, sendo obrigado posteriormente a ter de renacionalizar empresas fracassadas como a Electra, que foi para as mãos da portuguesa EDP, ou a CVTelecom, então gerida a 100% pela Portugal Telecom. O Estado Social, esteio dos fundamentos da esquerda, deixou de fazer sentido em José Maria Neves, que passou a defender o empreenderorismo jovem, a iniciativa privada como motor do devenvolvimento de Cabo Verde.
Os EUA, que não apoiarama luta armada cabo-verdiana e ajudaram a derrubar o PAICV em, 1990, passou a ser país amigo de Cabo Verde, com José Maria Neves, enquanto primeiro-ministro a conseguir dois financiamentos de Washington através do Millenium Challenge Account (MCA) e iniciar um processo de acordo militar (SOFA), que tinha dado seus primeiros passos com o exercício militar Steadfat, da NATO, em 2006.
“Ao longo da minha vida política, participei no jogo democrático em várias posições e tenho feito da política um espaço de aprendizagem. Aprendi muito com os cabo-verdianos. Sinto-me profundamente conhecedor do meu País, que tanto amo. Sinto-me maduro e preparado para continuar a servir”, disse certa vez, o que revela como o actual chefe de Estado se adapta ao tempo, às vontades, aos interesses do país e aos seus interesses.
Com essa nova visão política nem à esquerda nem totalmente ao centro-direita (social democracia), resolveu concorrer às eleições presidenciais em 2021, que ganha logo à primeira volta. Histórico. Único. E logo contra o antigo primeiro-ministro, Carlos Wahnnon Veiga, que tem fortes ligações com os Estados Unidos por causa da sua ancestralidade jadaica. (na verdade concorreram sete políticos, mas Veiga era o principal rival, já que também foi primeiro-ministro durante dez anos e teria, em teoria total apoio do seu partido, o MpD, que ganhara as legislativas quatro anos antes)
Na arena internacional, o presidente de Cabo Verde começou a jogar como um centro-campista, distribuidor de jogo: “O Presidente da República deve funcionar como ponte e mediador entre o povo e os representantes eleitos, estimulando o diálogo e a troca de ideias em torno do aprofundamento da democracia e do Estado de direito”, clarificou.
No seu manifesto de candidatura presidencial, José Maria Neves destacou a consolidação do estado direito, o reforço da confiança da justiça, a melhoria da coesão social e da prosperidade inclusiva, a descentralização insular e a governação territorial, a unificação do território e o relançamento da economia. Na prática, são assuntos da esfera do governo, por isso não raras vezes é atacado de estar a querer interferir da governação, dando pistas e mostrando conhecer assuntos e temas que quando era primeiro-ministro deixou escapar.
Não por acaso, aliás, o presidente da República de Cabo Verde, José Maria Neves, e o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, entraram em choque sobre quem deve ter protagonismo em termos diplomáticos em diversas ocasiões. A Constituição cabo-verdiana estipula que quem define as políticas em matéria de relações externas é o Governo, mas cabe ao PR representar a Nação e a importância do Chefe de Estado é tal que é ele, o presidente, quem nomeia, por indicação do Governo, os embaixadores.


Na recente passagem do presidente da Ucrânia, Vlodymir Zelensky, por Cabo Verde, recebido pelo primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, José Maria Neves ficou irritado e criticou publicamente o Chefe do Governo por não o ter informar formalmente desse encontro dos dois. Claro, JMN sabia que a reunião seria entre Zelensky e Correia e Silva, mas procurou protagonismo porque, mesmo não apoiando a Ucrânia no conflito com a Rússia sabe que um tête-a-tête com o líder ucraniano ofereceria holofotes internacionais. O PM de Cabo Verde também percebeu disso, chamou as luzes para si.
De facto, José Maria Neves, que fala em diálogo, debate transparente e democrático, faz o oposto quando lhe tiram o tapete vermelho. Aconteceu no posicionamento de Cabo Verde na Assembleia Geral da ONU contra o cessar-fogo humanitário em Gaza, no massacre que os palestinianos vêm sofrendo, e no caso do apoio total assumido pelo governo de Cabo Verde à integração e unidade de Marrocos, contra a autonomia do Sahara Ocidental.
Mesmo nas relações com os países africanos, a União Africana, os dois têm tido posições antagónicas, tanta em relação aos temas sobre a mesa de discussão, quanto na mera representação nos eventos regionais, que o Governo na maioria das vezes ignora ou faz vista grossa.
No fundo, o presidente de Cabo Verde joga no erro do adversário para desferir golpes. Mesmo tendo razão, que tem em certos casos, perde porque o Governo não o ouve. Mas vai batendo na mesma, ora com acutilância, ora com subtileza. E são esses ingredientes, precisamente, é que o fazem temido pelos adversários, respeitado pelos seus pares e referenciado internacionalmente. Individualmente, nunca perdeu um embate eleitoral. Um animal político, portanto.

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